Manuel “Paciência” – Uma vida à volta das bicicletas
12-12-2012 22:51
Jornal JOÃO SEMANA (15/11/2012)
TEXTO: FERNANDO MANUEL OLIVEIRA PINTO
Então, foi o seu pai que lhe ensinou esta arte. Ainda era vivo quando abriram esta Garagem?
Pelo menos a garagem ficava bem guardada nessas alturas...
Manuel “Paciência” – Uma vida à volta das bicicletas
TEXTO: FERNANDO MANUEL OLIVEIRA PINTO
Manuel “Paciência”, acompanhado de seu filho José Fernando Valente Duarte |
Manuel da Silva Oliveira Duarte nasceu no lugar da Ponte Reada, Ovar, no dia 9 de junho de 1935. Filho de Manuel de Oliveira Duarte – irmão franciscano que pertenceu à Ordem Terceira –, continuou o negócio de seu pai na Garagem Paciência, passando-o ao seu filho Fernando, com quem ainda trabalha. O “João Semana” foi até à Rua Alexandre Herculano para dar a conhecer um pouco da história desta família cem por cento vareira.
Jornal “João Semana” - Quantos anos tinha quando começou a trabalhar?
Manuel “Paciência” - Tinha 12 anos. Quando fiz o exame da 4.ª classe, o meu pai, que era serralheiro, perguntou-me para onde é que eu queria ir trabalhar, e eu disse que ia para onde ele quisesse... No princípio, fui trabalhar com ele para a serralharia do Sr. Matos, que ficava à beira do Passo do Encontro. Mais tarde, o nosso patrão abriu um negócio de bicicletas e o meu pai ficou a chefiar aquilo. Quando a casa fechou, abriu o seu próprio negócio.
Manuel Paciência, junto ao retrato de seu pai |
O meu pai faleceu em 1976, no dia 6 de fevereiro, seis anos após termos aberto a Garagem Paciência. Fazia bicicletas pelas mãos dele, os quadros. Mas antes de virmos para aqui, estivemos numa casa arrendada, ali junto ao Passo do Horto. O proprietário da casa quis aumentar a renda e houve uma desavença entre os dois. Foram para Tribunal e deram-nos um prazo para sairmos. Como o meu pai fazia parte da Música Nova, ficou a saber que a Banda queria ficar com este armazém para fazer a sua sede, mas, como lhe ofereceram lá em cima, perto da rotunda, aquele terreno, desistiram de comprar isto. Ficámos nós com esta casa. Pertencia aos Frazões, e tinha sido um armazém de coalhar azeite. Neste sítio, onde estamos a conversar, existia uma fornalha. O meu pai era uma pessoa que tinha muitos conhecimentos, muitas amizades, quer fosse na Ordem Terceira, quer fosse nas Bandas por onde passou.
Chegou a ir com o seu pai nas procissões quaresmais?
O meu pai era muito amigo do antigo sacristão, o Sr. António Dias, que morava na Avenida do Bom Reitor, na casa onde funcionava o Jardim Infantil “Alvorada”. Como se davam bem, passou a pertencer à Ordem Terceira, e ajudava a orientar as nossas procissões. Cheguei a levar, algumas vezes, a cruz da Ordem. Ainda tentei ocupar o lugar dele, mas não tinha hipótese, porque ele conseguia reunir as pessoas como ninguém. Era uma pessoa e um pai exemplar...
De onde é que vem o nome Paciência?
Vem de um tio do meu pai, que trabalhava também na serralharia. Chamava-se Manuel de Oliveira Paciência. Como o meu pai trabalhava com ele, o nome Paciência ficou até hoje.
Como é que está o negócio das bicicletas em tempo de crise?
Estamos a atravessar tempos difíceis, mas a bicicleta, como vê, está cada vez mais na moda. E agora, com as ciclovias que estão a fazer por aí, as pessoas utilizam cada vez mais a bicicleta como meio de transporte. Por falar nisso, podiam fazer uma pista do Carregal à Torreira, para que as famílias ao fim de semana pudessem pedalar em segurança para os lados da Ria. Sou casado, tenho dois filhos, um rapaz e uma rapariga, mas, graças a Deus, nunca me faltou trabalho. Todos conhecem o lema desta casa: Hoje não se fia... Amanhã, sim, tenha paciência!
O Sr. Manuel afinando, na Garagem Paciência, a famosa e célebre “pasteleira” |
Nunca recebeu nenhum convite para trabalhar noutro lugar?
Recebi. A antiga equipa de ciclismo da Ovarense veio convidar-me para ser o mecânico, na altura em que corria o João Gomes e o Joaquim Andrade. Mas como ganhava mais dinheiro na garagem e a responsabilidade era muita, fiquei por aqui. Mas isto também não é fácil, porque temos de saber cativar os clientes e ter mãozinhas para trabalhar.
Lembra-se de alguma figura conhecida que tenha vindo remendar um furo aqui à sua garagem?
O cabo Santos e outros militares da GNR vinham aqui arranjar as suas bicicletas. Quando tinha um furito, aparecia por cá. Era uma pessoa impecável. Tinha um suporte na bicicleta para colocar a espingarda, ao comprido. Tirava-a, e eu arranjava-lhe a bicicleta. Voltava a colocar a espingarda no suporte, e lá ia ele cumprir a sua missão.
O Sr. Manuel à porta da Garagem Paciência |
É verdade... Agora temos de ter cuidado com os assaltos, com os amigos do alheio. As pessoas queixam-se que lhes roubam as bicicletas quando as encostam por aí, mesmo estando fechadas a cadeado.
As bicicletas também serviam para transportar alguns produtos, não serviam?
Os padeiros tinham um suporte à frente, onde levavam o pão para os fregueses, e os lavradores levavam os canados do leite num suporte que havia atrás nas bicicletas. Os pescadores também iam de bicicleta a tocar o búzio, quando chegava a altura de chamar o gado e os pescadores para a faina no mar.
Se não tivesse esta arte, o que é que gostaria de ter sido?
Se não tivesse esta arte, o que é que gostaria de ter sido?
Músico. Toquei [na Música Nova e] na Música Velha. Fechava muitas vezes a oficina para ir tocar para a Banda. Íamos muitas vezes de bicicleta para as festas e levávamos os instrumentos connosco. Os mais pesados eram transportados em canastras por um grupo de senhoras. O primeiro instrumento que toquei foi o clarinete, mas como não dava nada naquilo, quis antes o cornetim, porque era sempre a andar para a frente...